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quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Coisas que iluminam II: O Sol

Sabes quando caminhas de frente ao Guaíba no fim de uma tarde calorenta, com o sol e seu reflexo na água batendo no teu rosto, fazendo sumir o horizonte? Com aquela sensação, então, de início de noite de sábado, com nada para fazer a não ser esperar as poucas horas passarem até o encontro com as gurias e com as cervejas? Sabes qual a diferença entre isso e aquele bando de velhos atirados nas calçadas, que tomam cachaça barata e riem alto, e que pouco se importam com a vida?

A coragem. A diferença é a coragem. Viver do fim da tarde ao amanhecer pelos botecos fedorentos da cidade em trajes maltrapilhos requer culhões, muito além do que temos em nossas vidinhas bagaceiras e medíocres, movidas a convívio social e masturbações. Essa é a diferença: é ter a coragem de pôr a cara contra o sol o tempo todo!

Nos dias de verão, o sol é ainda mais quente, queimando nossa pele e fazendo o suor escorrer pela face, descendo pelo pescoço, encharcando a camisa. Isso nos transcende, nos conduz a dimensões maiores, a imagens exaltadas de nós mesmos. Descobrimo-nos iluminados, vagando pelas ruas num fim de tarde, simplesmente em direção à luz, apenas com expectativas por momentos posteriores que desejamos, mas que não queremos que cheguem.

E quando finalmente chegam, o sol não está mais no nosso rosto, mas segue quente na nossa alma, queimando cada célula do nosso corpo, fazendo nossos pensamentos vagar em alta velocidade, da realidade à miragem, sem que consigamos, todavia, perceber a fronteira entre uma e outra. Tudo isso até o amanhecer, quando o sol deveras retorna para aquecer nossas náuseas e proteger nosso sono matinal até a próxima noite, quando é a nossa vez, então, e de novo, de protegê-lo.

Coisas que iluminam I: Uma Vela

Poucos objetos que conheço são mais bonitos que uma vela. Já reparaste? Suas formas, cores. Sabores! É como se uma vela fosse mais que um objeto, mas um desejo, uma sensação materializada em átomos – se é que as sensações já não são isso.

Uma vela no escuro, acesa. É o centro do universo, é o universo todo ali, na chama, que, se a vela não produz, mantém, pelo menos. E pela vela escorre a cera, devagar, como se fosse uma mulher se despindo aos poucos para seduzir. Sabe que é observada, mas finge que não. Finge que não se importa, mas somos nós que não nos importamos com mais nada. Mais nada!

Uma vela.

Um ponto de luz sobre uma pequena estrutura de metal, sobre seus próprios restos, na mesa, num canto da sala. De lá, a energia que nos conserva acordados, que nos mantém despertos, vivos. Como uma vela, é como somos. Pavios cobertos de cera, que nos derretemos com o fogo. A luz é a nossa razão de ser, mas nos consome. Até o fim, até a luz, enfim, apagar-se.

Uma vela.