Páginas

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

O Legado de Madonna*

Na aula de espanhol de hoje, novamente causei polêmica. Tudo começou assim: a professora, dizendo que visava incentivar a treino da conversação, mas conscientes que estávamos de que se tratava unicamente de uma forma de improvisar a aula mal preparada, colocou questões de respostas difíceis a fim de que pudéssemos discuti-las. Nessa vez, a pergunta foi quem nos gostaria ser, se não fossemos nós mesmos. Praxe, mas deu certo. Todos falaram um pouco, inclusive eu. Comecei dizendo que escutei certa vez, de um professor de História, que a melhor época da humanidade foram os anos 60 (pílula anticoncepcional, revolução sexual, anarquismo na França, Woodstock, movimento hippie etc), e que, portanto, gostaria muito ter sido alguém naqueles tempos.

O problema foi quando tentei trazer o exemplo a períodos mais contemporâneos. Disse, na lata, que se pudesse ser alguém, seria (uma versão masculina, esclareci) a Madonna! Isso mesmo, a Madonna! Todos acharam engraçado, afirmando que ter o dinheiro dela realmente deveria ser algo muito agradável. Mas não permiti esse erro de interpretação da parte deles, e respondi que gostaria de ser a Madonna não pelo que ela tem, mas pelo que ela representa. O assunto foi ficando sério...

Antes de soltar minha teoria fatal e chocante - tudo isso com a modéstia que me caracteriza, é claro – ainda lhes recomendei calma, dizendo que costumava ofender algumas mulheres com o que pronunciaria a seguir. “Ofenda-nos”, respondeu a professora, nessas mesmas palavras. Daí, soltei: Madonna, para mim, é o estereotipo da mulher moderna, e todas, simplesmente todas, gostariam de sê-la!

Os risos voltaram. A primeira pergunta que fizeram, e para qual já tenho resposta pronta, porque é sempre a mesma, é se eu teria a Madonna como minha mulher. Ora, respondi, provavelmente não. As pessoas acham que é fácil ser marido da Madonna. Respondi que ainda sou demasiado primitivo para viver ao lado de uma mulher como ela, que meu machismo tosco não permitiria. Completei, todavia, que se tratava de um problema meu, e não dela.

Passaram a conversa adiante. Ninguém me deu bola. Somente no fim da aula um dos meus colegas veio falar comigo, dizendo que pensava o mesmo acerca do assunto. Acho que ele entendeu deveras a idéia. Àqueles que não tiveram a mesma habilidade mental que ele, explico-me.

A Madonna é tudo aquilo pelo qual os movimentos feministas lutam: independente, rica, inteligente, fala o que pensa e faz o que quer. Sexualmente, então, nem se fala: ela escolhe com quem quer trepar, trepa e ponto final, sem satisfações a ninguém! Mulher moderna de verdade! E dita moda, claro. Agora, resolveu que voltaríamos aos anos 70 e 80, e voltamos. Se a Madonna disse, está mais que dito, está feito, estejamos nós de acordo ou não.

A gente percebe o machismo das próprias mulheres quando conversamos com elas sobre esse tema. Pergunta, leitor, à tua mãe, irmã, namorada ou esposa, alguma amiga, o que ela acha da Madonna. Se ela responder que a acha uma depravada que não deu nenhuma contribuição à humanidade, essa mulher a quem perguntaste é uma machista, conservadora, eleitora dos Democratas e que merece ficar na cozinha pilotando fogão a vida inteira.

Ora, a Madonna tinha que ser a maior heroína das mulheres do século XXI, ou existe símbolo maior dos avanços feministas no mundo do que ela? A Madonna é uma das mulheres que mais influência exerce sobre os hábitos atuais que temos acerca dos gêneros e da sexualidade. A mulher moderna tenta fazer aquilo que a Madonna já fazia nos anos 80, enquanto desfilava em seu vestido de noiva em Like a Virgin sedutoramente; Erotica é chocante até hoje aos mais, digamos tímidos; Material Girl é a afirmação da mulher perante o capitalismo; e quem nunca teve um frio na espinha vendo o clipe de Like a Prayer, quando nossa musa beija o pé da imagem sacra?

Não sei por que há gente que acha isso feio. A Madonna é uma revolucionária, que alterou hábitos do mundo inteiro com sua postura e que permitiu às mulheres a quebra de muitos tabus. Até hoje ela choca: em sua última turnê, iniciada no ano passado e ainda não encerrada, seu show na Alemanha, um país bastante moderno intelectualmente, foi censurado. Imagino o que teria ocorrido se ela realmente tivesse vindo ao Brasil, onde não sei quem é mais conservador, se a esquerda ou a direita.

Enfim, é a minha teoria. Nas aulas de espanhol, onde costumo expô-la, tende a gerar um certo mal-estar entre as mulheres. São todas machistas! Feminista sou eu, que quero que a mulher moderna - independente, rica e inteligente – saia dando por aí.

Like a virgin.

*Crônica originalmente postada em Pensamentos do Mal.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

O Suicida

Ontem, caminhando sobre o viaduto da Borges, reparei ainda de longe num senhor de rosto gordo e vermelho que caminhava vagarosamente pela rua, ora olhando em frente, ora a avenida, em direção ao Centro.

Eu vinha rápido, em passos largos, como gente séria. Ao passar pelo senhor, este se virou e disse algo que não entendi bem. Ele, então, compreensivamente, se repetiu:

- Se eu me atirar daqui, será que eu morro?

Fiquei na fronteira entre o real e todo o resto, mas me adaptei ao meio, e lhe respondi:

- Provavelmente, senhor, mas acho que não deveria fazer isso.

- Eu vou tentar.

- Não faça isso, senhor. Para quê?

- Eu sou corno. Corno merece morrer.

- Capaz! Não vale a pena.

Ele só deu um singelo sorriso, e saiu.

Não consegui reparar, nem entender até agora, se foi aquilo um chiste ou uma pretensão real daquele senhor. Eu fiz minha parte. Mas lembro de ter sentido, na hora, muita pressa e vontade de sair dali.

Rápido. Como gente séria.

domingo, 9 de dezembro de 2007

O Preço da Amizade

Vagabundos são iguais, e o que acontece com um, acontece com todos – mais cedo ou mais tarde.

Nessa vez, foi comigo. Outrora, será com outro.

Descobri que não posso me relacionar com a mulher que amo. A explicação dela é que somos amigos (e nada mais). A cativei durante tanto tempo, tentei ser diferente, ser companheiro, ser amável, e de repente descubro que exatamente isso me afastou de seus braços.

Estou pagando o preço de ter tentado ser amigo de uma mulher e, sinceramente, não sei se valeu a pena...

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

As Estradas

Permanecer parado num mesmo lugar somente faz sentido quando temos estradas que nos levem dali. Quando elas não existem, esse lugar não passa de uma prisão; quando existem, todavia, chama-se lar. São as estradas que determinam o que cada lugar nos representa: se a construção de uma vida, ou o início de uma outra.

Estradas são como artérias que conduzem sangue a diferentes órgãos, que os abastecem de oxigênio, que explicitam a dependência entre eles. Estradas nos fazem ver a nossa pequenez enquanto homens e a nossa força enquanto espécie – maiores, talvez, que a nossa própria capacidade de aceitá-las. Nos unem, nos integram, e mostram também a imensa solidão em que vivemos, todos interligados e todos tão distantes, através de estradas que construímos, mas que somos incapazes de percorrê-las por completo.

Às vezes, estradas nos levam somente a horizontes, a lugares que não vemos. Prosseguimos somente na fé de que chegaremos lá, no outro lado. E nem sempre elas nos oferecem escolhas, pois não passam de longas retas de duas pistas: ou seguimos em frente, ou voltamos. Ao lado, paisagens intransigentes que se alteram devagar, escorrendo por entre os dedos sem que possamos gravá-las em nossas memórias.

Então, ficamos entre permanecer no mesmo lugar ou ir a outro. E é quando decidimos conhecer o mundo que passamos a nos sentir deveras sós. Porque embora haja muitos lugares, a quantidade de estradas é infinitamente maior. E é quando sentimos que, apesar dos nossos esforços, não chegamos a lugar algum, que percebemos que as estradas se tornaram, enfim, nosso verdadeiro lar.