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terça-feira, 30 de junho de 2009

Da Série Diálogos Pós-Modernos: A Morte do Rei do Pop na Era do Metrossexualismo

imagem: djchapolim.zip.net

Adaptação de um diálogo que meu amigo Ricardo Martini e eu tivemos num dos bares mais tradicionais de Belo Horizonte, na noite da última quinta-feira:

- E o Michael Jackson, hein? – iniciei.

- Sifu.

(pausa...)

- Não gosto quando acontece esse tipo de coisa. Ficamos ainda mais sem parâmetros na vida. Quem será agora o novo “rei do pop”? Justin Timberlake?

- Justin Timberlake é tão veado, mas tão veado que até o Michael Jackson parecia homem perto dele.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Recado...

Nossa geração ainda tem salvação!

Voltaremos!

terça-feira, 23 de junho de 2009

A Menina que Veio de Longe

Pôr-do-sol em Porto Alegre
imagem: turismo.rs.gov.br


Há poucos dias, conheci uma menina que veio de longe, muito longe. Pra lá de onde os navios desaparecem, onde o sol nasce e se põe antes, onde os dias passam primeiro. Como é bom tê-la perto de mim, mesmo que por pouco tempo, por um tempo limitado. O mesmo tempo que lá, de onde ela veio, passa antes, como sua vida e a de seus conterrâneos, mais sortudos que eu, que com ela poderão mais tempo conviver. O mesmo tempo que lá passa antes.

Essa menina veio de muito longe com suas formas e gestos estranhamente belos para mim: Seu cabelo unicamente penteado, que circula suas orelhas, que, por sua vez, sustentam grandes brincos que visam tornar a silhueta de sua face ainda mais linda, como se isso fosse possível. E grande é o esforço que se faz para notar esses detalhes, pois seus olhos claros e lábios grossos atraem nossa atenção como um buraco negro que até a luz do universo prende em si. Seu corpo é de formas simples, cobertas por um mistério que desejamos desvendar em nossas madrugadas insones. Quantas cores têm! Todas talvez, perfeitamente combinadas, ali, numa pessoa só.

Será que no lugar de onde ela veio – longe, muito longe – a vida é bela como ela? Não... Não deve ser. A vida tende a ser igual em todos os lugares, independentemente do tempo passar antes ou depois. As melancolias das tardes chuvosas são atemporais e cidadãs do mundo. A não ser que não tratemos de um lugar físico, geográfico, mas de um lugar que imaginamos, que criamos em nossa cabeça, tão misterioso quanto essa menina que veio de longe, muito longe.

Porque ela pode não ser simplesmente uma pessoa especial, mas a personificação do que acredito inexistente, do que acredito impossível. É o que penso toda vez em que a vejo ir embora, após ouvir os seus “até logos” que se acumularão até uma despedida inevitável. E ela então partirá de volta à sua terra, e desaparecerá como os navios, a partir de quando eu poderei compartilhar com ela somente as tardes chuvosas.

Enquanto isso, ela segue aqui, ao meu lado, até o verão, quando rumará a climas menos hostis, como um pássaro que se vai e deixa o ninho desolado. E eu, sobre seus olhos claros e lábios grossos. Perto, sei, mas ao mesmo tempo, que lá passa antes, longe, muito longe.

domingo, 21 de junho de 2009

Hindemburgo Dobal, um poeta do Piauí

É preciso que o Brasil conheça Hindemburgo Dobal, poeta do Piuaí falecido recentemente. De uma profundidade singular ao falar do ser humano, sem cair nas pieguices da vala comum ou do escrito sectário da falida intelecualidade brasileira. Um poeta relegado, a não ser pelos seus pares regionais. Um gênio esquecido pelo status quo literário. Aqui vai um trecho desse incrível poeta e pensador.

"Ela agora está morta e eu não sei se estava mesmo apaixonado por ela naquele tempo. Talvez estivesse. Era uma paixão que não derrubava as outras, que se acrescentava às outras. Não tomava o lugar de nenhuma outra.

Talvez estivesse mesmo apaixonado por ela e acho que ela correspondia com uma paixão igual à minha. Pelo menos houve um dia que ficou valendo como uma revelação.

Um dia que nunca se transformou numa data, que se perdeu num mês qualquer, num ano cada vez mais remoto e impreciso. Um dia nítido e, no entanto, insituável num tempo que se perdeu completamente.

Penso nela de repente durante a ginástica com que procuro combater essa paralisia que me agita o dedo da mão esquerda. Não interrompo os exercícios, o pensamento passa. O pensamento é mesmo uma cousa à toa.

Outras vezes suspendo a leitura do jornal para esfregar os olhos cansados e a lembrança dela fica comigo um momento.

Era um dia inútil, um domingo de tarde em que tínhamos pensado em ir ao cinema. Mas a tarde de cartão-postal se enchia de doçura. Paramos na beira da lagoa. Ficamos olhando os pedalinhos, que não tínhamos coragem de enfrentar.

Sonhamos o vôo das gaivotas, o silêncio das águas paradas. Aceitamos a paz das paisagens preparadas. Num momento aceitamos o sol, o vento, o fogo, os poderes da vida. Vimos na tarde os peixes saltadores e a morte da luz nas suas escamas. Mas logo desapareciam de novo nas águas da lagoa.

Tive uma grande vitória com ela. Vitória moral, bem entendido. O sexo entre nós não seria tão natural que não procuramos antecipá-lo. Mas acho que ela romantizava um pouco, era um pouco ingênua sobre isto. Ficou muito espantada uma noite quando viu, saindo do escuro da praia, um casal que tinha acabado de completar as suas carências. Muito espantada porque o casal se separava sem uma palavra, sem uma carícia, indiferente na sua satisfação.

Há umas duas semanas alguém me telefonou para dizer que ela morreu. Pediu-me que avisasse aos outros amigos daquele tempo.

Não avisei a ninguém, me desagradava comunicar isto aos outros. Faço isto como se assim protegesse contra a distância e a morte.

Acho que agora ela está mais perto de mim do que antes. Não preciso de fotografias, não preciso tentar despertar o passado. Não ouço os discos, não leio os livros que ela me deu. Como se isto ajudasse a não gastar a sua lembrança, a conservá-la intacta.

Dos poços da memória me volta às vezes a voz de Ella Fitzgerald cantando Cole Porter: so in love with you, my love, am I. Acho que estava mesmo apaixonado por ela. Nem eu nem ela sabíamos ao certo o que devíamos fazer. Preparamos sem pressa o silêncio entre nós. Perdoamos a nós mesmos pelo que não dissemos, nos enterramos pelo que não nasceu. A vida segue o seu curso separado.

Tudo separado. O nascer, o morrer, as dores do fogo da vida."


(Hindemburgo Dobal, conto "Innamorata", livro "Um Homem Particular")

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Postado originalmente no "Coruja Lunática".

terça-feira, 16 de junho de 2009

Por um mundo mais Vagabundo Iluminado

imagem: afraneo.wordpress.com

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Bar ruim é lindo, bicho

Por Antonio Prata

Eu sou meio intelectual, meio de esquerda, por isso freqüento bares meio ruins. Não sei se você sabe, mas nós, meio intelectuais, meio de esquerda, nos julgamos a vanguarda do proletariado, há mais de 150 anos. (Deve ter alguma coisa de errado com uma vanguarda de mais de 150 anos, mas tudo bem).

No bar ruim que ando freqüentando nas últimas semanas o proletariado é o Betão, garçom, que cumprimento com um tapinha nas costas acreditando resolver aí 500 anos de história. Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos ficar “amigos” do garçom, com quem falamos sobre futebol enquanto nossos amigos não chegam para falarmos de literatura. “Ô Betão, traz mais uma pra gente”, eu digo, com os cotovelos apoiados na mesa bamba de lata, e me sinto parte do Brasil.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos fazer parte do Brasil, por isso vamos a bares ruins, que tem mais a cara do Brasil que os bares bons, onde se serve petit gateau e não tem frango à passarinho ou carne de sol com macaxeira que são os pratos tradicionais de nossa cozinha. Se bem que nós, meio intelectuais, quando convidamos uma moça para sair pela primeira vez, atacamos mais de petit gateau do que de frango à passarinho, porque a gente gosta do Brasil e tal, mas na hora do vamos ver uma europazinha bem que ajuda. A gente gosta do Brasil, mas muito bem diagramado. Não é qualquer Brasil. Assim como não é qualquer bar ruim. Tem que ser um bar ruim autêntico, um boteco, com mesa de lata, copo americano e, se tiver porção de carne de sol, a gente bate uma p. ali mesmo.

Quando um de nós, meio intelectuais, meio de esquerda, descobre um novo bar ruim que nenhum outro meio intelectual, meio de esquerda freqüenta, não nos contemos: ligamos pra turma inteira de meio intelectuais, meio de esquerda e decretamos que aquele lá é o nosso novo bar ruim. Porque a gente acha que o bar ruim é autêntico e o bar bom não é, como eu já disse. O problema é que aos poucos o bar ruim vai se tornando cult, vai sendo freqüentado por vários meio intelectuais, meio de esquerda e universitárias mais ou menos gostosas. Até que uma hora sai na Vejinha como ponto freqüentado por artistas, cineastas e universitários e nesse ponto a gente já se sente incomodado e quando chega no bar ruim e tá cheio de gente que não é nem meio intelectual, nem meio de esquerda e foi lá para ver se tem mesmo artistas, cineastas e universitários, a gente diz: eu gostava disso aqui antes, quando só vinha a minha turma de meio intelectuais, meio de esquerda, as universitárias mais ou menos gostosas e uns velhos bêbados que jogavam dominó.

Porque nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos dizer que freqüentávamos o bar antes de ele ficar famoso, íamos a tal praia antes de ela encher de gente, ouvíamos a banda antes de tocar na MTV. Nós gostamos dos pobres que estavam na praia antes, uns pobres que sabem subir em coqueiro e usam sandália de couro, isso a gente acha lindo, mas a gente detesta os pobres que chegam depois, de Chevete e chinelo Rider. Esse pobre não, a gente gosta do pobre autêntico, do Brasil autêntico. E a gente abomina a Vejinha, abomina mesmo, acima de tudo.

Os donos dos bares ruins que a gente freqüenta se dividem em dois tipos: os que entendem a gente e os que não entendem. Os que entendem percebem qual é a nossa, mantém o bar autenticamente ruim, chamam uns primos do cunhado para tocar samba de roda toda sexta-feira, introduzem bolinho de bacalhau no cardápio e aumentam em 50% o preço de tudo. Eles sacam que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, somos meio bem de vida e nos dispomos a pagar caro por aquilo que tem cara de barato. Os donos que não entendem qual é a nossa, diante da invasão, trocam as mesas de lata por umas de fórmica imitando mármore, azulejam a parede e põem um som estéreo tocando reggae. Aí eles se f., porque a gente odeia isso, a gente gosta, como já disse algumas vezes, é daquela coisa autêntica, tão brasileira, tão raiz.

Não pense que é fácil ser meio intelectual, meio de esquerda, no Brasil!

Ainda mais porque a cada dia está mais difícil encontrar bares ruins do jeito que a gente gosta, os pobres estão todos de chinelo Rider e a Vejinha sempre alerta, pronta para encher nossos bares ruins de gente jovem e bonita e a difundir o petit gateau pelos quatro cantos do globo. Para desespero dos meio intelectuais, meio de esquerda, como eu que, por questões ideológicas, preferem frango a passarinho e carne de sol com macaxeira (que é a mesma coisa que mandioca mas é como se diz lá no nordeste e nós, meio intelectuais, meio de esquerda, achamos que o nordeste é muito mais autêntico que o sudeste e preferimos esse termo, macaxeira, que é mais assim Câmara Cascudo, saca?).

- Ô Betão, vê uma cachaça aqui pra mim. De Salinas quais que tem?

terça-feira, 9 de junho de 2009

Noite Campesina

imagem: Google Imagens

Era uma daquelas noites frias, mas de pouco sono.

O casaco sobre o corpo bastava para mantê-lo aquecido, e o vinho na mão fazia seus pensamentos transgredirem enquanto ia e vinha da varanda ao pasto do quintal que se misturava no horizonte ao das demais colinas.


Entrava,
servia mais vinho,
se aquecia junto ao fogo,
afagava o cachorro,
e voltava para a rua,

com vapor a sair pela boca,
os dedos a entorpecer pelo vento,
o corpo a encolher por entre os braços,
a vista a vagar por entre o céu absurdamente estrelado,


e os campos escuros a esconder passados,
memórias,

e amores.

domingo, 7 de junho de 2009

Ao louco

Brilhe,
aberração,
gênio,
louco,
incompreendido...

Brilhe,
no olho do furacão,
na mão de Eva,
foragido do bom senso.

Fuja,
molécula de veneno:
ardência na pele delicada da mulher.

Fuja
e brilhe.
Loucamente brilhante.
Loucamente divino,
sábio,
garimpeiro do universo.

Brilhe,
corra
corra pra muito longe.
Não és daqui.
Não és de ninguém.
És refém de tu mesmo.
Mente perversa
e pura.
Mente aberta ao amor,
que se perde em si mesmo,
no buraco negro da tua alma.

Brilhe,
como a estampa na camisa do cantor.
Brilhe,
acompanhante da noite.
Brilhe
na tua solidão,
na tua dor,
no holoscauto
feito por tu mesmo.

Brilhe
diante das tuas revelações.
Brilhe,
mente perturbada.
Brilhe
e fuja
junto do coelho mágico.


(Discípulo)

terça-feira, 2 de junho de 2009

As Mulheres no Frio

imagem: www.atuleirus.weblog.com.pt

Tu, leitor, também tens a impressão de que as mulheres ficam mais bonitas no frio?

Descobri ontem, durante uma conversa com um amigo, que não era somente eu a achar isso. Repara, leitor, te recomendo. Senta-te numa mesa de bar, peça uma torrada, um café, coisa assim, às três da tarde de uma quarta-feira. Senta-te, e observa. Procura ficar perto da porta, ou cuida a guria que te serve. Certifica-te que está frio deveras, suporta-o, e repara.

As mulheres passarão diante de teus olhos apressadas, cuidando de suas vidas como tu deverias estar fazendo com a tua. Repara seus rostos, suas faces e narizes avermelhados pelo vento. Seus olhos lacrimosos pelo mesmo, voltados ao chão, preocupadas com tantas coisas que nós, homens, somos incapazes de compreender. Repara seus ombros e peitos escondidos por aquela pesada blusa de lã branca, nos fazendo imaginar coisas que passam pela nossa mente de forma tão rápida quanto seus passos, diante da porta.

E passam muitas. Repara como são tantas. Todas iguais, igualmente apressadas, com rostos vermelhos. Igualmente lindas.

Não... Não há nenhuma vulgaridade, nenhuma parte de seus corpos à mostra. Seus rebolados e formas estão escondidos por suas roupas elegantes e necessárias nessa tarde cinza, expondo somente nossas idéias e vícios, que nos perturbam enquanto nos conduzem na vida. Repara como somos mal tratados pela imaginação que temos de seus corpos, e como essa imaginação, lá no fundo, nos alegra. Uma alegria simples. É aquela distração súbita, aquele sorriso que nos vem à boca daquele charme e mistério, daquela melancolia feminina que nos seduz sem sabermos porquê.

Parece que poderíamos de repente nos apaixonar por qualquer mulher. Sobra-lhes muito de belo, como reparas. Mas mais parece que nos falta algo, numa carência que jamais será saciada. É como se não pudéssemos agir, mas apenas... reparar. E reparamos.

Ah, leitor... Também tens a impressão de que as mulheres ficam mais bonitas no frio?

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Velhas paralíticas,
estupefadas de saudade,
não lembram de que,
mortal saudade
de tudo que deixaram...

Agora é tarde.
Agora acabou aquela tarde.

E veio a noite,
ainda mais noite do que a noite,
a noite ingerida,
sufocada,
reprimida,
que agora salta,

toma conta,
quer tomar voz,
confessar segredos tórridos.

Velhas paralíticas,
doidas de pesar.
Velhas imaturas.
Almas desgastadas,
inválidas.